segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O salto-alto e o carpete de madeira

No começo nos amávamos
Como dois adolescentes
Nos casamos em março,
Driblamos o tédio,
Aprendemos a ser,
Pacientes e tolerantes,
Às vezes eu cozinhava pra ela
Comprava-lhe flores.
Nas outras vezes ela me levava ao teatro,
Vivíamos em harmonia,
Numa relativa paz conjugal,
Eis que um dia tudo muda,
Por pouco ou por muito
O amor acaba,
E a felicidade de outrora agora é tristeza,
E ela não volta mais pra casa,
E conversa já não existe entre nós,
Somos dois estranhos que se conhecem bem demais,
Agora ela está indo embora,
Finjo estar dormindo enquanto ouço seu salto alto
Fazer um barulho sincronizado com minhas palpitações,
Vejo de olhos fechados que ela encostou-se no batente,
Me olhou por alguns minutos,
Talvez tenha chorado, ninguém saberia dizer
Seguro a respiração enquanto sinto que ela esta nervosa,
E se penso em reconciliações não me sobra tempo,
Pois já escuto seu salto bater compassado na madeira,
Tão cedo retornou, tão cedo voltou a partir

Um palhaço no meu ônibus

Não entendo a pressa dos jovens
Que têm a vida toda pela frente
E ainda sim teimam em correr.
Não entendo a frieza dos arrogantes,
A maneira como eles vivem,
Os corações que eles despedaçam.
Não entendo a desconsideração dos brutos,
Que não aprenderam a ver beleza na fragilidade,
Destroem flores, amassam folhas.
Não entendo a alma dos insensíveis,
Que não sorriem pras crianças,
Não dão lugares aos idosos.
Não entendo o empurra-empurra do metrô,
Nem entendo o por que da fome,
Ou a razão da guerra.
Não entendo a mágoa dos imperdoáveis,
Nem a rispidez dos ignorantes
Entendo menos ainda de ganância.
E de ruindade não entendo nada,
Seja o bem, seja o mal,
Seja o melhor que puder ser.
Um dia as pessoas que não entendo
Irão entender a importância da honra,
Do respeito e das gentilezas.
Vão entender que se fechando não se vive,
Devemos todos amar e deixar amar,
Deixar o destino nos engolir feito onda.
E esperar, ter todo dia uma nova esperança,
De ver um amanhã diferente, pois a beleza esta escondida,
Em todas esquinas e filas de banco, o mundo é bom.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Zero Graus Celsius

Sinto falta das tosses secas,
E dos narizes sangrando
Que só nos atacam no meio do ano.

Daquele frio apertado,
Da cama desfeita
Que nos aproximava tanto mais que agora.

A temperatura continua caindo,
Congelam-se as águas,
Movem-se as geleiras.

Minha alma se fecha,
Se deixa esfriar,
Mas ainda espero o verão.

Espero sua luz sombria,
Invadir minhas janelas,
Na mais bela contradição.

Sinto falta da nostalgia,
Das besteiras que me sussurrava,
Do carinho do mês de junho.

Da sua cara de sono,
Dos teus maus gostos musicais,
Daquelas tardes atrasadas.

O relógio continua batendo,
Fecham se em segundos,
Prendem-nos em pesadelos.

Meu amor não se mede,
Nem por fita métrica,
Muito menos por calendário.

Espero pelas provas irrefutáveis,
Da razão dos seus anseios,
Pra poder combates todos os seus medos.

M. Utida

terça-feira, 2 de junho de 2009

Domingo de quermesse

Amo-te tanto
e com tamanha força
que nem mesmo eu entendo
Amo-te como pintores
amam suas telas
Como escultures
amam suas musas
Amo-te feito um poeta
que elege Afrodites
que as fazem imortais
Amo-te por cada gesto
por toda mania
e também pela ausência
Amo-te na ida e na volta
na sala e na rua
no claro e no escuro
Amo-te feito uma doença
acompanhada da cura,
és quase uma epidemia
Amo-te tão profundamente
que vejo no mundo uma injustiça,
sou um sofredor
Amo-te na espera
tão árdua e bela
de um coração sonhador
Amo-te por fim, por meio
sempre num enredo linear
porém nunca cronológico
Amo-te tanto
que já não olho pro lado
pois tú estás em todos cantos
Estás em todas as músicas
e em todos os lábios
de outras mulheres
Por isso não as beijo
pra não perder tempo
pois meu tempo é todo seu.
M.Utida

sábado, 23 de maio de 2009

Culatra - Colateral

Conheço todos os povos
Experimentei de todas as tribos
Mas pro meu gosto
Sempre faltou você.

A companhia vazia
Saia pela culatra
Todo tipo de tiro
Saiu pela culatra.

A noite acabou
O Sol apareceu
Você ainda não está aqui
Mas eu continuo a te ver.

Em todo canto
De toda esquina
Na zona sul, no norte
No centro, eu só via você.
M.Utida

terça-feira, 19 de maio de 2009

Fetichismo

Minha bolsa. Vão-se os amigos, os amores, se vê longe os sonhos...
Minha querida bolsa. Vai se tudo: emprego, saúde, carreira...
Minha linda bolsa. Vai-se nada, vai-se tarde, atrasada...
Minha maldita bolsa. Estás comigo, volto sozinha ao som da sua companhia...
Não me deixas, não me encosta, não deboche...
Carregue os livros, as flores e os papéis...
Me lembra quem sou, quem fui, não me deixa esquecer...
Se apóia todo final de noite em mim...
Minha detestável bolsa. Te roubaram, estupraram e você voltou pra mim...
Encontrei algumas novas, de marcas melhores, de melhores texturas
Bolsa rasgada, feia e mal amada quando é que isso vai ter fim?
É a ti quem carrego no meu ombro cansado, triste, de cabelos espetados...
É com você que vou embora todos os dias, em todos os tons,
Sem cor, desbotada... tão adorada, sempre a mesma bolsa...
M.Utida

Inércia Sentimental

Não posso dormir
Significaria sonhar
Sonhar significaria te ver
Não posso parar
Implicaria em pensar
E eu pensaria em você
Não posso nem ao menos me medicar
Seria imitar-te
Me sentiria você
Já não posso superar
Perdi-me no tempo
Confundi todos os prazos
Alimento-me de crepusculos,
Batidas de carros, tragédias alheias.
Tenho paciência
Até quando me falta esperança
Pois já me acostumei a toda sua
Demora pra me encontrar
M.Utida

Não Crer

Eu não acredito mais na bondade
Nem nas lentilhas do final de ano
Ou nas rosas jogadas ao mar.
Não tenho fé em mais nada
Pois não existe chão
Que ande embaixo dos meus pés.
Eu não acredito em destino
Nem nas maçãs dos bordéis
Não gosto das minhas roupas
Nem do meu corte de cabelo
Se eu pudesse me despiria
Rasgaria minha pele
Cortaria as minhas mãos
Se eu pudesse me jogaria ao mar
Não pra pular as sete ondas
Mas pra deixa-las me engolirem
Pra que depois me cuspissem
Na boca do seu inferno particular
Eu não acredito nem no amor
Este dito cujo que antes defendia
Tanta eloqüência, tanta nobreza
Jogadas no lixo
Conseguiram, todos venceram
E eu me rendi, endureça-me!
Crescer machuca,
Assisto decadências de camarote
Na área VIP, a minha... Inclusive
Eu que já salvei a tantos...
Que já movi moinhos...
Eu que já morri de amor...
Que já desisti do mundo...
Quem agora salvaria minhas crenças?
Quem daqui vai restaurar meu coração?
Quem é que vai olhar pra mim e ver o héroi,
O príncipe desencatado que já fui um dia?
M.Utida

Soque-me

Quando o sol vier socar minha cara,
Eu vou lembrar de tudo o que você podia ter feito e dito
Pra mostrar quem era e não o fez
Vou Lembrar da maneira como você se omitiu brilhantemente
Se escondeu atrás de algumas maiores e melhores...
Me socando o estômago, arrancando tripas e fazendo delas corações,
Atrás de estrelas "Hollywoodianas",
Na minha frente tão estonteantes
Saídas de seriados "Californianos", tão perfeitas pra mim
Tão acessíveis pra você
Quando o sol vier socar minha cara,
Eu vou olhar pro mar sujo do litoral paulista
Pisar na areia nojenta de all star, camisa de botões, suéters
E sentir náuseas profundas, dores de crescimento cruéis,
Pensar nos fundamentos dos sonhos que você construiu e destruiu em tão pouco tempo
Socando meu coração, arrancando meu estômago e fazendo dele tripas,
Vou te enxergar linda na distância e vou confirmar a cada pôr do sol a sua perfeição
Alugando todos os filmes mais tristes possíveis, comendo brigadeiro com pão de queijo
Vou detalhar pra mamãe o quanto sinto falta do seu gosto, do seu seu cheiro
Ela vai me encorajar a tomar a primeira barca e correr pra te ver de novo
Socando minhas tripas, arrancando meu coração e fazendo dele seu estômago
Beijando seu caso permanente, acariciando a mulher mais linda do pedaço
Enquanto amigos confirmam o contrário, enquanto os outros se enganam
Eu vejo tudo claro, porque eu não sou mais eu, e meus amigos não são mais meus
Não são eles mesmos e não enxergam porque são ingênuos, porque acreditam no "casal perfeito"
Quando o sol vier socar minha cara,
Eu vou estar num trem qualquer, dormindo sem medo, sem nenhum pertence a ser roubado
Encorajada por uma mãe moderna que acredita no grande e importante primeiro amor
Eu vou estar esperando pra te encontrar, pra te ver me magoando de novo
Pra me orgulhar em não descontar mágoas, pra me descontaminar cada vez mais
Quando você vier socar minha cara,
Eu vou dizer que mereço, vou pensar que foi tudo em vão
Que você nunca entendeu, nem quis entender
Que você nunca mudou porque não quis mudar
E eu vou agradecer por você ter mudado tudo em mim
Socando paredes, arrancando suspiros, fazendo deles recordações,
Vou agradecer por todo e cada segundo que passei do seu lado
Pensando em você ou planejando em segredo coisas fantásticas com ou sem poupanças,
Com ou sem consentimentos, planos fantásticos, superar o medo de aviões
Paris, Canadá ou até mesmo na Holanda onde você possa passear sem camisa
Quando o sol vier socar minha cara,
Eu vou detesta-lo por ele me lembrar que eu vou te amar cada vez mais
Sem voltas, sem analgésicos e sem anestesias
Sem poesia, arrependimentos ou esforços maiores, sem ligações, sem perdão, sem pecado
Eu vou me detestar por não ser boa o suficiente, com ou sem umidificar de cristal ultra-sônico!
Arrancando esperanças, socando meus sonhos, fazendo deles seus planos opostos,
Me evitando nas filas dos cinemas, me esquecendo no quintal da sua casa
Você vai estar sempre por cima, me ignorando com classe
Trocando de papel, sendo aquela que vai à luta...
Se diverte, se encaixa, que da risada como uma criança de 4 anos, mas que não sorri para mim
Quando o sol vier socar minha cara,
Com certeza você ja foi embora, até porque você nunca veio
Fez se de ausente de propósito, serás menos amada assim?
Só rejeitas a mim, assim eu só consigo desejar a vocêFaz se de amante pras outras, serás mais feliz assim?
M. Utida

Aeromoça

Eu no escuro
Cadeiras rangendo
A platéia quieta
O regente dançava
Eu, fracasso
Ja não amo mais ninguém
Me enxergo fria
Me sinto bem
Se me perdi aeromoça
Como faço um eu agora?
Se nem sorriso me encanta
Nem dopante me dopa
Eu, cinismo
Até aos seus olhos, egoísmo
Você heróica
Santa, imaculada, submissa
Eu, genial
Destinado a constante solidão
Grandes atos, bares lotados
De futuros brilhantes
Você, quermesse
Daquele tipo adoravelmente comum
Proibida do mundo
Presa em seu castelo, duas quatro paredes
Se no estudo das matrizes
Minha coluna não bate com a tua linha
Como faço um nós agora?
Me diz com que lã desfaço esse nó
Eu, silêncio
Prendo a tosse
Estanco o sangue
Me vejo bem
Eu, inimigo
Meu anti amor
Você, antídoto
Minha bela dona
M. Utida

A Gaucha

E da nacionalidade fez-se um nome
Do nome eu vi o rosto
E da mesma face fez-se corpo
Quando do corpo eu vi seus seios
Sonhei que se lhe fosse dado um feitiço
Um que te tirasse toda graça
Aquele que sugasse todos teus encantos
Seriamos felizes...
Sonhei que se a mim fosse dado tal feitiço
Um que me livrasse de você
Que me tornasse imune a tua pele
Faria dele um troféu cravado em vísceras...
Mas da casualidade fez-se um romance
Do romance eu vi o filho
E do filho fez-se um escravo do casamento
Quando do casamento eu vi a sua gaúcha.
M.Utida

Amor de manhãzinha

Às 6 da manhã começa a esfriar. É sempre assim, sabemos que nossa gentil madrugada esta acabando, antes do amanhecer é mais calor. A vida tende a esquentar e escurecer antes do esfriamento.
Às 7 da manhã começam-se as rupturas, vidas desconhecidas estão prestes a se igualar a nada e nem ao menos sabem disso. É sempre assim, amor mesmo nasce junto com o sol, o resto é barbaridade e tolice sexual da noite. Te confundem e te pervertem, mas meu amor não liga não! Sei que não és assim.
Às 8 da manhã o tolo camisado não pode dormir, entre tragos e achocolatados dança “we could be heroes” na frente da T.V., inclina-se em cima dos seus joelhos e reza pra que quando pegue no sono não sonhe com sua menina nos braços de outras meninas.
Às 9 da manhã o pai do tolo vai dormir, ele por quem freqüentemente o rapaz lunático misturou matemática com português, sem classe e sentimental.
Às 10 da manhã o guri exausto vai pra rua, procurar conforto em meninos estranhos e semelhantes a ele. Os destemidos: garotos da rua debaixo, aqueles que não têm nada a perder e jogam o peso do mundo nos ombros do nosso herói.
M. Utida